sexta-feira, 3 de junho de 2011

Conheci-te naquela noite e fiquei à espera que me surpreendesses de alguma forma. Queria conversar sobre coisas impossíveis e ridículas. Não queria saber do tempo. Nem do que tu ou eu fazíamos. Ou não fazíamos. Falas-te me de croissants, e eu contei-te uma história ridícula. Falei-te de vestidos aos folhos e tu contaste-me uma história aparvalhada. Conversa de café. Conversa de almoço. Conversa de pub. Eras um rapaz estranho ao qual nada me cativou. Cara redonda repleta de barba. Cabelo todo desconcertado, super nervoso, inquieto e curioso demais. Alto e magro. De cara redonda e ideias idiotas. Não conseguia perceber de que região eras. O teu britânico, cheirava a Londres, mas com alguma rebeldia de Manchester. Não perguntei nada sobre ti, não te podia dar esse prazer de interesse aparente. Mas estava ali quieta à espera do autocarro e tu perguntaste me para onde ia o autocarro, após a minha resposta tu disseste:

"hum.. Ok, pode ser!"

Viras-te as costas, e lá continuas-te a comer uma mistela de coisas estranhas que trazias na mão. Não pude evitar um sorriso. Olhas te novamente para trás e fixas um olhar curioso em mim. Ofereceste me a mistela, que nem um miúdo de cinco anos quando tenta abordar uma miúda, oferecendo lhe o lanche. Era como dar quase a própria vida. Disseste que tu mesmo o havias cozinhado. Sabia a laranja dizias tu, apesar de me parecer uma sande de peixe. Tinhas uma guitarra às costas e um olhar tímido, que fugia do meu olhar a toda força. Que personagem curiosa, pensava eu. Disse-te que poderias ser um terrorista, ou um burlão, e não podia falar contigo. Nem muito menos partilhar o lanche. Por isso, entrei logo no primeiro autocarro que parou, e que nada tinha a haver com o meu destino. Tu prontamente retaliaste:

"Nunca confies em estranhos!! Hum... Mudança de rota... Ok. Pode ser!"

- Pedro!
- Laura!
- Local de saída?!
- Incógnito.
- Hum. Medo de estranhos?
- Medo de mim!?
- Eu não, e tu?
- Por vezes.
- Hum.. Danças?!
- Agora?!

Ele prontamente toca na campainha, e agarrou-me a mão. Enfiou o resto do lanche no lixo e saímos em New Oxford Street... Lá estava o Salsa. O pub mais latino da região. Nem queria acreditar que um estranho acabava de me colocar no autocarro errado, no tempo errado, para sair na paragem errada, para dançar salsa! Entramos e as nossas mãos dançaram ao som das batidas latinas, acompanhando o balanço da anca e dos nossos passos. Não falamos. Não me perguntas-te nada. O silêncio não te aterrorizava. Sorrias e parecias um miúdo de quinze anos. Fazias-me rodar. Fazias-me rir com o teu empenho. Rodopiávamos tanto que só conseguia ver nitidamente o teu rosto. Todo o resto era um jogo de cores e rostos distorcidos. Nem sei se existiam lá pessoas. A decoração sei que era verde. E vermelha. Azul. Amarela. Roxa. Tu não tinhas camisa às cores. Tinhas a barba grande, a cara redonda e uma camisa cinza dobro do teu tamanho. E passamos a noite a trocar as mãos. Bebemos umas "caipirinhas" da cultura latina. E trocamos mãos. Passos. Suor. Cantos. Mãos. Bailamos a sensualidade toda a noite. Sentimos o desejo primitivo.

Sem pensar, desaparecemos dali da mesma forma que entramos. Lá fora parecia ouvir o mar. Parecia ouvir as guitarras japonesas, esticando as cordas de tal forma, que o som provinha maioritariamente do toque da corda contra a madeira do instrumento, do que propriamente o seu vibrato. E eu queria puxar essas cordas e deixa-las chocar violentamente. Ouvindo o mar. Sentido o teu conforto. Passamos o Homem de Ferro a correr. Sorrias. Gritas-te ao Homem de Ferro. Imitavas tudo o que vias. Lá estavas tu. De indicador para o ar que nem o Homem de Ferro. Chegas-te perto. Os teus olhos avelã agora estavam bem atentos. Não queria interessar-me por ti. Tu tinhas medo de mim igualmente. Escondias as palmas das tuas mãos de mim, como se me escondesses a verdade. Mas os teus ombros sempre estavam na minha direcção! Mas eu tinha medo de uma pessoa tão interessante e incomum. Pedro. O autocarro parou mesmo atrás de mim.

- Não venhas.

Ficas-te parado. Como um miúdo a quem se tira o chupa. Não te conhecia. Mas eras respeitável. De ombros descaídos e os braços baixos, as tuas reacções para mim eram uma surpresa constante, agradáveis ou não, parecias sempre ser genuíno! Mas não vieste. Não acenaste. Não piscaste os olhos. Respiravas com vontade, o teu peito suspirava de tensão. Endireitas-te o saco da guitarra às costas, colocas-te um gorro velho que praticamente só deixava a barba de fora, acendes-te um cigarro, e expiras-te com vontade. Muito calmamente de sorriso meigo, começas-te a acompanhar a direcção do meu autocarro. Foi quando consegui perceber nos teus lábios as palavras...

"Fico à espera."

E ficaste estacado no chão, a ver o autocarro a contornar a esquina. Quieto e sereno. Não sei se estaria à espera de um outro género de reacção da tua parte. Mas eras um estranho muito estranho. Agarrei-me aos livros com força, e poisei o queixo neles, fitando o chão pensativa. Estava sentada no ultimo banco enquanto me deixava ir sei lá eu para onde. Meu medo só me dizia para eu ir. Fugir. Desaparecer. Porque causavas-me arrepios e fazias as minhas mãos tremerem. E eu não sei quem tu eras. Naquele dia, levava um sorriso comigo. Levava o teu. E de repente os chavalos no autocarro começaram a cantar um hip hop sereno, com bits e sons vocais. What a day! What a day!

Sem comentários:

Enviar um comentário