quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Um dia e depois o outro!

Era um daqueles dias em que o Sol é mesmo amarelo e o céu é mesmo azul, a verdade parecia ainda mais clara e evidente. E não se sentia o seu habitual sabor amargo que a verdade sempre atrai consigo. Acabada de chegar à praça, estacionou o carro num local proibido. O ar era fresco. A praça era pequena mas muito agradável, estava cheia de meia gente. O trânsito não é nenhum nem algum, como naquelas brincadeiras com os carrinhos de infância, colocados a preceito só para parecer bem. Estava no meio de várias escolhas possíveis para se tomar um café relaxadamente e até se fazer acompanhar de uma delícia qualquer, que tão típico é naquele povoado. Observando os dois guardas que conversavam distraidamente do outro lado da rua, escolheu o café que já tinha passado os olhos, mesmo ao lado do seu carro, aquele pequeno cubículo espremido entre duas lojas. Era um daqueles cafés para homens. Que se servem bebidas de homem. Entrando percebeu que não se enganará nada. Era todo revestido de madeira com um tecto relativamente baixo. Ouvia-se passos lentos e preguiçosos na assoalhada de cima. O ranger prolongava-se de tal maneira, que a pessoa em questão devia de levar uns cinco minutos a dar dois passos. O café tinha quatro mesas quase umas em cima de outras, e um balcão minúsculo de canto. Dois homens fitaram-na enquanto entrava. Dois clientes de sala. O dono, com a pele a desvanecer-se tinha uma voz de George Clooney mas não sorria. O balcão logo atrás dele estava carregado de bebidas másculas. Favaios, bagaços, whiskys e uns quantos baralhos que indicavam as horas, que aquele café provavelmente fecharia! Um pequeno espaço no balcão era dedicado a uns panados, rissóis e uns bolos secos que provavelmente vinham de um mini mercado qualquer. Tinha uma televisão panorâmica logo acima da porta, e bem maior que a porta. Ideal para se assistir a grandes jogos, acompanhados de minis, tremoços e muitas discussões. Em suma, aquilo era uma pequena Macholândia. Como a fome era de facto uma realidade, decidiu pedir um daqueles bolos de arroz ressequidos. Não sabia a arroz nem a bolo. Era doce. E tudo que é doce lembra lhe doçaria. E coisas que fazem mal. Mas pelo menos não era velho, nem estava estragado. O assunto na tasca era sobre os empregados do município que muito lentamente faziam a poda às árvores, estas que nasciam no meio do cimento da praça em pequenos orifícios que pareciam sufocá-las, coitadas. E os preguiçosos encostavam as escadas às jovens árvores ao ponto de as vergarem. Estava tudo no café a rogar pragas para que um deles benzesse aquele chão.
Sentou-se na praça, num banco torto a fumar um cigarro sem pensar em nada. Observando os vagarosos trabalhadores do estado. Havia lá um com aparência de Vin Diesel que tinha imenso cuidado com árvores, nem tão pouco as tocava com a escada, único defeito era mesmo fumar um cigarro cada vez que cortasse mais que cinco galhos seguidos, e ficava ali, contemplando a sua obra de arte como se aquilo fosse o trabalho mais fascinante do mundo! Mas tudo estava ali equilibrado. As pessoas que vagueavam na praça eram velhos ou incapacitados, ou aquela malta que pouco ou nada faz na vida. Tudo estava equilibrado. Era possível ouvir o mesmo tom em todas as vozes. A mesma claridade em cada alma. Não havia pressa. Nem demasiados sorrisos, nem dramas. Equilíbrio de uma obra que tem sido construída há séculos... A sociedade. Uma harmoniosa sociedade. Ela levantou-se e atirou o cigarro contra o chão. Tirou o carro do lugar proibido e sorriu por enganar uma vez mais o sistema, olhou pelo retrovisor enquanto a praça se extinguia muito lentamente... Tudo está feito e tudo é o que é! E tudo continuará a ser o que é e o que foi... Nascendo numa sociedade concebida há centenas de anos, será que ainda existem pessoas que acreditam numa mudança?! Até podem acreditar.... Como se dois mais dois fosse de facto igual a cinco!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Ninguém sabia como ela havia morrido. O seu corpo flutuava silenciosamente sobre o Thames. Aquele branco pálido da sua pele reluzia. E as coisas continuavam normais. Os carros circulavam à esquerda, os autocarros continuavam cheios de loucura e tu ali morta e abandonada. O céu estava escuro. Limpo, mas escuro. Negro. As coisas continuavam a fazer sentido para os outros. Como não quebrar agora. Como não mergulhar agora no Thames e deixar-me levar... Eles depressa te tiraram, subtilmente. E fui te identificar. Pálida e sem expressão. Rosto sem vida. Sem a tua alma, já não eras mais tu. Virei costas e juntei-me aos pensamentos. Encolhi-me e fugi. Tudo me espezinhava a alma e ardia. Os fastfoods colados uns aos outros, e os prédios gastos e inúteis. O supérfluo carregando às costas a inutilidade. Aquela cidade. Quem te fez isso... Quem te fez isso sei que vou encontrar, e estou preparado para a expressão que vou encontrar! Vou ver uma enorme expressão de futilidade à minha frente. Igual a todas as coisas que não fazem sentido nenhum, mas existem pessoas suficientemente estúpidas para desejá-las. Sentei-me no meio da Russell Square. Pequena mas tão confortável. Ninguém me olha. Ninguém passa. Os esquilos, esse não me incomodam, porque são reais. E árvores são reais, assim como vento gelado a fazer-me lembrar porque deixo crescer a barba. E aquela relva com um toque tão humano e artificial levam-me novamente aos monstros. Levanto a cabeça e observo a esplendorosa arquitectura gótica de Londres encoberta pela penumbra da noite. Nunca mais te vejo. Nem te sinto. Os teus prédios ainda ali estão e a tua faculdade à minha frente. E as pessoas continuam a sorrir e a caminhar em frente. Vou ficar aqui hoje. A inspirar e a expirar... Inspirar e expirar..."