segunda-feira, 30 de maio de 2011

  Uma re-conexão rápida de sistemas. Os pontos voltam a colidir. Os enormes lasers espaciais colidem uma vez mais. Conectando-se. Infiltrando-se. A energia explode pelas veias. Tudo treme e flui. Tudo está vivo. Mas o enigma continua sem paradeiro. Vagueando na outra dimensão sem qualquer tipo de conexão! Sem contexto, o enigma vai caindo daqui para ali. Sem lasers para lhe apontar o caminho. Sem a energia. Sem...

(...)


  Acordei com a cabeça a latejar ao som do relógio. Conseguia ouvir o tic tac perfeito! Um som, praticamente inaudível pela maioria das pessoas. Mas ele fazia tic e depois tac, muito alto. E fazia explodir a minha cabeça. Coloquei-o debaixo do colchão. Range. Algo range e arrasta algo muito vagarosamente. Com passos curtos a pessoa larga o arrasto, oiço um som seco. Deixam cair a carga, e uma quantidade interminável de portas começam agora a abrir e a fechar. Abrir e fechar. Agua pelos canos. Agora decidiram tomar banho. Perfeito, consigo ouvir a água a percorrer os canos todos daquela casa. Era como se fosse oca. Oca! Mas mantinha todos os elementos da casa de uma certa forma, conectados! Interligados à força, visto que até o autoclismo era audível. O meu companheiro de quarto abre a persiana, aqueles primeiros lasers de luz quase que me matam. Respiro para não matar ninguém. Expiro para não maltratar ninguém. Ele adora fazer barulho de manhã. E cumprir de forma devota toda a sua rotina diária. O que significa que para mim acabou-se o sono. Levanto a cabeça com brusquidão a ver se as ideias começam a surgir. Nada. Apenas observo as coisas ao meu redor à espera que algo aconteça. Como se nunca estivesse estado ali. Coloco-me de cócoras e preparo-me para cumprir a minha rotina matinal também. Ainda sem acender o cigarro a Dona Sarah já me está a trazer o café. Diz-me que estou atrasado. Fala-me do tempo, e pergunta amavelmente se venho jantar. Deixa-me em cima da cama alguma roupa limpa, mas toda amarrotada, pousa a tigela de café próxima do rádio. Eu fico a observá-la. Os seus gestos são amáveis assim como a sua figura. Uma sensação quente de conforto preenche-me e sensação de insónia desaparece. Digo que sim a tudo, dou o primeiro trago no café e a primeira puxa. O João auto pulveriza-se de perfume, e começa o ritual em frente ao espelho. Ele tem sempre tudo cuidadosamente arrumado e funcional. Começa a largar uns latidos sobre uma coisa qualquer, que tinha a haver com fumo, e não sei quê… Estava demasiado ocupado a fumar para ouvir o que ele disse. Quando ele parte finalmente todo sorridente, para a cozinha posso ouvir as conversas intermináveis que ele tem com a Sarah. Ou melhor, as conversas intermináveis dele, ao estilo monólogo! Mas lá sempre se acaba por ouvir umas palavras de Sarah a terminarem uma por outra frase dele… para dar um certo clima ao monólogo do rapaz.

  Dou comigo a comer uns cereais ensopados em leite e com os olhos verdes da Dona Sarah fixados em mim. Sorrio. Não digo nada. Os meus pensamentos ainda não estão correctamente organizados. Fico vidrado por uns momentos no televisor. Nos programas infantis. Sem pensar. A Dona Sarah desaparece. O João bate a porta. Sossego. A casa emadeirada, começa então a esvaziar-se. Os rapazes e as raparigas foram estudar e trabalhar. E eu tenho de decidir o que vou fazer. Observo o silêncio na cozinha. É genuíno. Não existe espaço para nada em cima dos balcões. A escuridão transmite-me que o dia é chuvoso. Perco a vontade de ir seja lá onde for. Quero ficar ali. Adormecido. Embevecido com o conforto da casa de madeira oca. Aquelas paredes guardam conversas de todos os tipos e tamanhos. Contas as histórias que eu quero sentir.

  Então que oiço as teclas do piano. Nervosas. Muito nervosas. Rápidas e barulhentas. Eu percebo a inquietação de Sarah. Uma sonata de Beethoven. Daquelas nervosas. Em que os dedos parecem confundir-se uns com os outros de tanta pressa. E as mãos empurram as teclas ora com brutalidade ora com suavidade. Mas com muita pressa. Feliz de quem procura a expressão. A Dona Sarah sempre está mais nervosa à segunda-feira, e depois fica ali duas, três horas a pensar sabe se lá no quê. Ela não me diz. Mas eu acho que ela podia ter sido famosa. Porque aquele Beethoven que eu ouvia… Aquela vontade toda fluía por entre os corredores velhos, e ouvia-se pelas entranhas todas da casa. A raiva e o amor. O ódio e a compaixão. Era como se os dedos de Sarah tivessem viajado por toda a Europa durante a segunda grande guerra mundial. E os ecos dos pianistas de leste ainda se ouvissem nestas paredes de madeira velha e escura. Madeira reluzente de vidas alheias. A mestria de um artista não se mede só pela sua qualidade de execução da peça. Mas pelo seu propósito. Pela paixão. Pela verdade da sua vontade. E a Sarah expelia sentido quando tocava. Não me quero sair da casa. Daquela casa atulhada de tudo. Onde o desejo reside, e as peças são tocadas para ninguém. As peças são tocadas para fervilhar o sangue nas veias e bombeá-lo com o nervoso miudinho para o coração. A Sarah sabe que estou ali e que a minha presença é reconfortante para o mundo dos mortos e das almas sem poiso. Não julgo a indecência e loucura e prazer e desejo e ignorância de ninguém. Por isso aquelas paredes respeitam me, e os dedos da Sarah perdem-se na sua própria magia… A magia do coração de um artista. Sem ganância. Sem mérito. Sem proveito. Sem propagandas. Sem elogios. Sem nada… Ali sozinha, envolta de filmes e livros, de retratos de pessoas que por aqui passaram e jamais voltarão. Sem julgamentos inoportunos. Sem motivo aparente… Fico ali. Estarrecido. Vivo e quieto. Sossego…

terça-feira, 17 de maio de 2011

Os minutos...
Dois minutos...

Hey. Como me dói a cabeça de tanta entulhice! A velha dos olhos verdes. O colchão estava poisado no chão. E havia gatos por todo o lado a olhar para mim. Era um intruso. Motivo de curiosidade. Parecia que estava em Portugal outra vez. Portugal. Portugal é a minha casa, no entanto...

- O menino está melhor? Trouxe alguma coisa para o menino comer. Não tenho cama para hospedes sabe. Desde que esteve tanto tempo fora, acabei por vender parte da mobilia. Ninguem parece querer viver com uma velha.
Eu morava ali. Não consegui dizer palavra alguma. Estava atónico. Afónico. Daltónico até. Porque era tudo muito negro e cinzento. Daltónico. Parvónico.

- Minha Senhora. Lamento, mas deve estar com algum problema de memória... Chamou-me Pedro, e eu estive tempo fora... Não entendo.
- O menino Pedro certamente que andou metido em grandes sarilhos. Esteve fora 4 anos... Ouvi rumores que tinha voltado. Mas nunca o imaginei encontrar naquele estado.
Olhei o meu corpo, duia-me tudo. Estava cheio de nódoas negras. Levantei a calça muito lentamente na zona do joelho. Até tinha medo do que ia ver. A dor latejante vinha dali. Uma enorme cicatriz. Parecia recente! Começou a doer-me terrivelmente a cabeça... Deitei. Olhei a minha mão e ela tremia. Tremia. Que raio. A velha pousou o chá e saiu sem dizer uma palavra. Parecia que levava um pouco de tristeza consigo. Daquela tristeza genuína. Que dói... Sem mais, tomei a pastilha. E foi como se tivesse desmaiado.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

As ambulancias ecoam enquanto as cordas tenta sair. O metro passa e as pessoas vão e vêem. Para trás para lá. As vozes são roucas. Agudas. Magras. Silenciosos. Despercebidos eles sempre passam por mim. E eu só vejo as barreiras entre nós. Caminho sempre em frente até deixar de as ver. Elas sempre passam por mim a grande velocidade. Imagem distorcida pela velocidade da imagem. Sao obliquas e agora fantasmagóricas. Live the horror here. Live it. As emoções. Sensações. Entro num autocarro e não me lembro o que estou ali a fazer. Agarro-me aos varões porque vejo toda a gente a fazê-lo! Forget the horror here. Saio a seguir. Ruas. Som barulho e uma explosão de emoções dentro de mim. Que ânsia de atingir qualquer um propósito. E estou ali. Sem propósito algum. Só sinto os instinctos. Ouço som melódico. Ouço uma voz máscula meiga. Suave. É um chapeleiro a tocar no chão á chuva. Numa esquina. proferindo "youll get better". Moedas. Meto as mãos aos bolsos. Eu devia de ter dinheiro. Chuva. A minha unica ideia era fugir dos prédios. Só sabia que tinha de fugir deles porque ali não era a minha casa. Minha casa. Onde é minha casa?! Fugi todos os dias seguintes. Faminto e sujo. Fade and return. Onde vou!? Desmaiei num canto. Esfomeado. Quando abri os olhos lá estava aquela velhinha de olhos verdes enormes olhando para mim. Dizia Pedro. Pedro. Pedro. Casa?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Há sons e movimentos que não os interpreto. Mas há sensações que não preciso de pensar na sua definição. De quando passo a mão pelo milho ainda jovem. Quando me esqueço que tudo isto não passe de um sistema infinito de controlo de mentes. De coisas que não precisamos. Porque o que precisamos é de sentir as sensações. As emoções que as coisas produzem em nós. As almas que sentem são humanas. E desumanas. Mesquinhas. Egoístas. Puras e humanas. Seja o que for. Tudo procura o mesmo mas em coisas diferentes. Muitos têm a alma poluída de ideias erradas enfiadas à força por este sistema manipulador. São muitas horas e minutos e dias que vivemos apenas e só conosco mesmos. Só o "eu". A toda a hora. Abstrair, pensamos nós. Entreter. Medo do tédio. Da paz interior?