quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

De tudo para nada... de nada para tudo!

Entendo por principio que acordo sempre com sensações diferentes. Mesmo que o sábado seja o dia que menos faço, e não deixo o tédio evadir-me. Os meus primeiros pensamentos precipitam-se como a chuva trémula que vejo a desenhar os primeiros rostos na minha janela. A luz pela manha a dar-me socos no meu rosto ainda amolecido, não é de todo do meu agrado, assim como não são as manhas cinzentas. Mas se cinzentas o são, deixo sempre a cortina mal corrida. Se sentisse os raios de sol a pulverizar o meu quarto de boas coisas, depressa desaparecia dali.
Mas não senti socos hoje. Senti o cinzento a inspirar-me a alma. Para que repousasse e pensasse em coisas cinzentas. Em musicas calmas e jornais cheios de nada. Desço e oiço o ranger da madeira a assinalar os passos do seu único habitante. Os meus pés descalços e mal cuidados. Outrora talvez esperasse um bom dia desassossegado. Um bom dia carregado de cinzentos. Ou aquele bom dia pronunciado no teu tom mais meigo que guardavas todas as manhas para mim. Esperava um cabelo suave, desdenhando movimentos estranhos e compassados junto a janela da cozinha. Janela que abrias, com a chávena do café na mão. Delicadamente e sem pressa nenhuma alimentavas o Jacob. Colocavas o seu pequeno almoço num comedouro, no parapeito da janela. Jacob. Tinha o seu nome inscrito na pequena tigela. Arrastavas mais uma vez o teu cabelo para trás dos teus ombros. Subtil. Encostavas a chávena nos teus lábios. Estes formavam uma pequeno "u", que nem um miúdo que come esparguete pela primeira vez. Talvez para não te queimares, ou porque eras simplesmente sensual por definição. Sem lhe tirares os olhos. O admiravas todos os dias da mesma forma intensa. E eu ainda não havia descido as escadas. As vezes não descia. Fitava-te com uma sensação de medo. Medo da perda daqueles momentos. Sei que meus comportamentos solitários sempre foram precipitados por estes medos inseguros. Mas a tua silhueta delicada prendia-me o olhar. Cativava-me a inspiração. Fazia suar a minha alma de desejo por ti. Perdia-me em pensamentos de devoção.
Hoje desço. Atabalhoadamente. Aqueço agua enquanto observo essa tal de janela. A hera é a única coisa que aparenta ter vida agora ali. Observo-as detalhadamente. Apercebo-me que estão prestes a impedir que a janela se abra uma vez mais. Pequenas ramificações parecem já viver agarradas naquele vidro. Fortes e cheias de vida teimam em se alastrar. Como que seu único propósito fosse agora impedir a abertura daquele portal secreto. Como que agarradas às memorias que ali abandonei e aos mistérios do meus pensamentos. Não consigo chegar perto. Nem tão pouco desejo abri-la. Pois, a meu ver, da mesma maneira que tu enchias de vida aquele parapeito, não me vejo agora eu, na condição fraca de lhe alimentar a morte e o esquecimento, da figura. Da figura que outrora a encheu aquele parapeito de.... tudo!