quarta-feira, 30 de março de 2011

No outro tambem...

Lá estava ele debaixo do castanheiro. Mas desta vez as mãos cumprimentavam-se uma á outra, com os cotovelos pousado sobre os joelhos... Olhando um horizonte. Em t-shirt branca. Sentindo as primeiras brisas mais quentes. Uns jeans largos e velhos e umas botas gastas com o tempo... A barba já dava para colocar champô amaciador. Estava ali quieto, com os jeans a ficarem provavelmente cheios da terra ainda húmida. Ao longe já se pode ver o Rui a acenar. Ainda demorava seguramente uns cinco minutos a atravessar aqueles campos. Por isso é que ele nem se mexeu. Esboçou um sorriso de conforto e ficou a observar o Rui a caminhar desajeitado pelo meio dos campos. Caminho mais curto. Há sempre pessoas que não pensam assim tanto na comodidade, pensou ele. Era um sábado à tarde, e cheirava a ternura. Podia-se sentir. Ver. O vento não contava histórias do passado. O jovem centeio criava um novo presente. Ele já não pensava em coisa nenhuma. O caderno continuava a ser preenchido por parágrafos. Desda vez mais claros. Sem interesse nenhum. As ideias não tinham interesse nenhum e o Rui finalmente chega ofegante com cara de "Que raio estas tu sempre aqui a fazer afinal de contas?!"... O rui pensa essa pergunta, sem no entanto pensar efectivamente em pergunta-la... Visto que a resposta nunca surgiria por certo... Puxou um cigarro sentou-se ao lado dele. Noticias da vida social. Cá estão elas. Ele dirigiu o olhar para um horizonte qualquer e escuta o Rui. O castanheiro era o lugar dele. Dele e da sua alma. Dão-lhe vida e conforto. Nós somos o que o passado fez de nós. Ele sempre tem isso em mente. Sou aquilo que fui. Os momentos que fizeram girar a sua vida jamais irão com o vento... Poderão ser mais meigos e vadios. Mas presentes. O castanheiro conta todas as histórias que fez dele a sua vida. O rui pede a sua atenção. Chega de devaneios, pensa ele.

Pela noite dentro os pensamentos são mais rudes. Mais reais e assustadores. A sua alma consegue esquecer o provável e acreditar no impossível. Coisas estranhas as quais ele já se acostumou, e para fugir à condição fraca humana, senta-se na sua escrivaninha. Na sua frente tem uma janela e consegue-se ver a colina do seu castanheiro. O seu cão dá-lhe um toque no focinho como se quisesse dizer, "senão escreves, vamos roer o sofá"... Ele como percebendo o cão, olha para o whisky. Dá um trago. Dá dois tragos. Ele lembra aquela noite. A noite em que ele morreu. A morte não o assustava mais. Aprendeu de rebento, a lidar com a morte. Morte é como a vida. São dois estados de alma. Duas maneiras diferentes de se abordar este mundo. A morte dos estranhos, são mortes! A morte dos .... das pessoas que produzem qualquer tipo de sensação de gosto a amabilidade para connosco. Isso não é morte. É perda de algo que era nosso. Mais um pedaço da nossa alma que se desvanece. Vida é todo o resto. Todo o resto com alma. É uma selvajaria de maus interesses e egoísmos. Uma hipocrisia que nos destrói. Por isso é que o Pedro olhava aquela janela para nunca mais esquecer o que está errado e não faz sentido. Mas que o que existe, que exista e cresça! A raiva é assassina numa pobre alma. É maquiavélica quando a alma está podre. Então que Pedro dá um olhar rápido ao seu sofá. O cão.

sábado, 12 de março de 2011

O outro...

"Quem sabe o seu limite?! Até que ponto não roubam as coisas dos outros. Quão medíocres e surpreendentes conseguem ser. Quando a alma não rouba a obra. Nada pára. Equinócio nela é perfeito. Igualdade no balanço das que eram então suas virtudes. Quando a alma não supera a beleza. Não me venhas dizer que o corpo morre. Ele apenas não dura o suficiente para te aborreceres do tédio da condição humana. Uma partida interminável de xadrez!? Isso aborrecer-te-ia. Um orgasmo fácil. Uma tentação consumida. Uma alma nua. Uma obra roubada. Um sentimento já sentido. Uma hora mal tratada sem pensamento. Tudo continua às voltas e em frente, e a musica não é musica parada. Recusas-te a ver o tempo a passar. A morte a esquecer. Mãos nos bolsos, e imaginas a morte. Vês-te emaranhado nas próximas horas de pensamentos fúteis. De mãos nos bolsos. De barba grande e de alma roubada. Quem sabe o que sabe?! Tu não sabias, e a morte atravessou-te como uma lança que se crava e trespassa num gesto lento. Vagaroso. E ficas ali, horas. Dias a sentir. A consentir o roubo. O roubo da tua obra. Condição humana. O jogo da má sorte. Ergues a cabeça para trás e dás um esticão ao peito. Encaras o céu de olhos fechados e mãos nos bolsos. No meio da rua. Parado. A chuva escorre pelos teus traços do rosto. E consegue-se ouvir um saxofone. Calmo. A tocar musica de gato preto vadio. Aquele gato preto que caminha por entre as pessoas sem lhes tocar. Sem atravessar as ruas. Calmo. Abres os olhos e vês a chuva. Obliqua. Nuvens negras de contornos claros do Luar. Não há estrelas mas há Luar. Nem que seja escondido. Baixas a cabeça e fitas o teu caminho. A alma roubada. A morte. O tédio. A morte não leva uma só alma. Levou a dela, levou a tua, quem sabe quantas mais levou. E criou em ti uma nova alma. Não a compreendes. Não a queres e és levado com ela como numa enxurrada. Uma enxurrada cheia de coisas que não prestam. Cheia de almas que ninguém quer. Mas elas vão com a enxurrada. E tu só ouves os teus passos e a tua respiração. Quem sabe o que sente?! Tu escolhes-te não sentir essa alma mais. Se a morte a trocou por uma nova. Assim que seja. Ou assim seja, pois o que é, é o que é.
Tu não querias roubar obras. Nem sonhos. Agora ficas preso ao pensamento, burros são aqueles que confiam suas almas. Que confiam os seus medos. Burros daqueles que não são ignorantes. Agora sem nunca mais ver aquele rosto. Só dentro de ti. Como uma tentativa desesperada de não perder a alma dela. A alma não. Pensavas. Tu não querias roubar obras só porque achas que está certo. Não te querias entregar ao censo comum. E no entanto descias a estrada em direcção á enorme London Bridge. Querias ver o Thames uma vez mais. Tão iluminada que é. Que monte de monumento. Que almas morreram para dar sentido a tudo aquilo. Que almas lutaram para ficar na história da ambição. Sem medos. Só ambição de não ter medo. Nem tédios. Agora aquele monte de arquitectura e história só importam aos clic's e tudo mais que não passe de imagem. E ali estava o rio. Rio. Thames. A tua alma parou. Parou e só sentias as tuas emoções. O teu estado de ódio. Ódio por tudo que mexe sem sentido. Aquela ondulação artificial. Viras o teu rosto com brusquidão para as tuas mãos. Elas tremiam. A mão direita latejava de dor. Que dor física mais desproporcional ao momento. As mãos tremiam e a tua pulsação fazia com que sentisses cada ponto do teu corpo. Que tremor inquietante. A mão direita latejava. Inspiravas e depois expiravas. Com força. A mão direita carregada de dor. Cerraste o punho e bateste no peito. Respiravas. Tremias. Sentias. Aquele momento ficar-te-ia para sempre cravado naquela dor. Nos tremores que nunca mais te abandonaram. Uma alma destruída destruiu-te o corpo. Mesmo que haja o Luar. Mesmo que o rosto continue fino e delicado em ti. E os seus olhos se abram para ti. Em tua alma pobre. Imaginaste-a uma vez mais. Numa paisagem japonesa. A fitar-te com curiosidade. Parada. Tudo o que é efémero. Os que ficam na história são efémeros. Ela ficou na sua mente. Com os cabelos a ondularem tão graciosamente... Que ele respirava. E depois imaginou-a morta. Inchada de tanto corpo morto e matéria sem vida. A explodir de fluidos humanos. Um corpo morto. Sem alma nem obra. Obra roubada é obra desejada, é obra que não se consegue criar, é roubada. E alguém havia decidido simplesmente acabar com então toda criação deles… Ele e ela. Ela e ele que fosse. Dois mundos que se movimentavam para a destruição. Como qualquer outro mundo. Que morre sem história ou obra! "