segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conto das pessoas...


Passando a mão sobre as ervas altas e vadias do seu quintal, o homem sente-se só. Lá longe um enorme castanheiro depenado serve de ponto expiatório. É para onde se dirige. No seu caderno castanho correm mais uns desenhos extravagantes que ninguem gosta. Mas ele continua a imaginá-los. Transcreve-os com mais pureza ainda. Ele não quer contar histórias, nem poemas, nem sentimentos, nem sonhos. Ele quer sentir a terra humida e amolecida enquanto se senta. Fechar o caderno e não fazer nada. Sentir frio e desconforto. Mas não sente. O ardor dentro do peito aquece os dias mais gelados. O bater incessante daquele orgão fá-lo respirar com impaciência. E os desenhos tornam-se ansiosos. Um misto de loucura com ternura compõem agora as suas novas histórias. Então prefere levantar-se e pentear as ervas longas e amarelas. Sentir aquela sensação ternurenta na palma da mão. A palma da sua mão.

Esquece a tranquilidade do seu mundo e entra outra vez na realidade. Desce os caminhos lamacentos e entre em casa pelas traseiras. E ouve-se os seus passos solitários rangendo na madeira. As pessoas ligam e fartam se de ligar. Sobre coisas desinteressantes. Ele atende. Fala em tom desinteressante, e desinteressadamente desliga o telemovel de vez. O telefone da sala começa a tocar. A sua sala. Decorou-a sozinho. Para si mesmo. Solta um sorriso sempre que olha para aquele quadro maluco que numa noite de copos nasceu. As fotografias que tirou a bambus no Japão, e aquela miúda de lá. Que miúda aquela! Os seus contornos eram requintados que nem a folha de bambu. A folha de bambu que tão delicada é. O seu rosto prendia uma expressão que ele não conseguiu nunca sugar com a sua máquina. A leveza do seu cabelo ao vento, e a forma de como ele muito lentamente acabava por poisar no rosto. Mas aquela foto que estava ali ao lado da janela, tinha uma expressão que ele roubou antes de voltar a Portugal. Mas ele nunca percebeu aquela expressão. Por isso a colocou, ali. Eternamente exposta, do lado esquerdo da janela. Janela esta, que está sempre aberta, com a cortina de linho branca. Cortina que sempre acompanha o vento muito suavemente, produzindo movimentos diferentes. Que nem o cabelo da japonesa! Aquela japonesa ao lado da janela de beleza pura, com a expressão contida. Os estalos da lareira que está acesa há já dois dias capta-lhe a atenção. Preenche-se de conforto e decide ligar ao Rui. Lá para baixo na cave tem um whisky que seu pai outrora lhe ofereceu num Natal igual aos outros. Não que seja especial. Mas é bom na boca certa. O rui.

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