segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pessoas! Pessoas... Vidas cruzam-se num relâmpago. Ninguem se interessa por ninguem. Ninguem olha para ninguem. Porque as pessoas não confiam em ninguem. Todos mentem. Tu mentes. Eu minto. Eles mentem. Everybody lies.

"Tão cedo sinto os teus lábios a tocar os meus, mesmo que meus pensamentos divaguem. A tua voz esta distante e tremida como sempre. Sinto-te tão perto de mim, que o meu sangue estagna. Pára! Conheci-te e agora conheço-te. Respiramos o mesmo ar e contamos as mesmas mentiras. As mesmas histórias horrendas. Insuportável tornou-se o nosso caminho rotineiro. Estou farta de pisar a relva escura e de a cortar! Os teus guisados não sabem a comida. Nunca souberam. Nunca me importei, mas agora importo me menos ainda. Tu não gostas da minha mão e puxas as calças para cima. Estas perto de mim. O meu sangue morre. Os corpos rompem se, à medida que o teu sangue fervilha nas tuas mentiras. Esgota-se o tempo dos amores. Cruzo-me com milhares de pessoas e observo meticulosamente o calçado de cada pessoa. Parece que vou de cabeça baixa. Vou a observar o calçado. Sempre me contam histórias. Os teus sapatos em bico são pretos e baços. Sem brilho nem oportunidade para falarem a verdade que envolvem secretamente. São silenciosos e não me contam histórias novas. Toda a gente usa calçado. Famílias com miúdos calçados, contam mais histórias ainda. Os pais escolheram o dobro do calçado. Existem mulheres que escolhem o triplo. Para elas, para eles, ou para elas, e para os miúdos deles e delas. E depois o calçado conta me histórias. Divago por entre as pessoas adultas vestidas de negro como as suas almas ao penduro. Porque cumprem tarefas escuras e sucumbindo lentamente disfarçam-se de almas negras apáticas. Olho os rostos e lembro-me de pessoas que eu conheci. Imagino-os com dezoito anos, como os conheci. Prefiro mante-los assim. Com os rostos joviais e repletos de sonhos, e não estas nuvens negras moribundas ziguezaguiando por aí. Perdidas do seu rumo. São todos iguais.
Troco de voo. Sento-me no meu correcto lugar. Uma miúda de dezoito anos espanhola senta-se a meu lado. Só percebo quando diz puta e conho. O resto é um emaranho de palavras e atitudes infantis. Tem um piercing no nariz e uma tatuagem na face, encostada à orelha. Troco de voo. Senta-se um velho do meu lado direito e outro do meu lado esquerdo. Ambos de fato cinza escuro. Falam para mim toda a viagem. Digo que sim com os meus acenos irritantes de cabeça. Mas não os irrito. Gostam de mim.
As arvores passam muito rápido, e as cercas. Deixei finalmente de ver nuvens cinzentas e o céu mantem-se azul. La esta a relva escura velha cansada. Velha e descomposta. A nossa cerca esta com a côr desbotada e abandonada. A casa de madeira. Atravesso o jardim a pé. O carro fica encostado ao passeio no meio da estrada. Era impossivel atravessar o pátio sem matar algum dos teus gatos. Tenho de deixar o carro no meio da estrada. Encostado ao passeio. Entro e lá estás tu. A olhar para mim com aquela cara tão apatica. Gritas, seguras-me pelos ombros e gritas. Detesto ruído. Fecho os olhos irrito-te ainda mais. Abanas-me pelos ombros e gritas. Olho para ti como nunca olhei antes, com desdem. Sem nada para te dar. Inventas histórias da mentira e olho para o teu calçado. Umas sapatilhas coloridas estão perto das cortinas que tocam o chão. Estas descalça, sem meias nem ideias nem  comportamentos. Abanas-me pelos ombros e o meu sangue finalmente fervilha, fecho os olhos. Quero gritar mas sinto-me cobarde. E lembro as pessoas que são todas negras e iguais, vazias de proveito e alegria, cheias de trabalho consumista e de horas desperdiçadas. Olho os teus olhos verdes e lembro-me de tudo... Fecho os olhos e sei porque não me quero lembrar de mais nada. Só conheces a mentira e as histórias que inventas dela. Pouso a minha mala e olho para o frigorifico enquanto permaneces na sala, soltando umas palavras agudas. Tens uma voz aguda insuportavel. Andas aos circulos em volta do sofa e levantas as mãos. Olho o frigorifico, abro lentamente a porta com aqueles movimentos mecânicos, pois a fome não me chega desde que morreste. Estas ali na sala, morta aos gritos.
Gosto das pessoas e de tudo o que é normal. Coisas comuns enchem o nosso lar e gosto. Pego numa taça de fruta que ocupa a mesa dos almoços ingratos. Atiro-a contra a janela... E tudo se parte... Os morangos e laranjas ficam espalhados no pátio. O som dos vidros a partirem-se com violência acalmam o meu batimento cardiaco. Foram dois segundos que não ouvi gritos. Seguiu-se o silêncio. Abri o frigorifico e retirei um iogurte. Estava bom, e dentro da validade. Sentaste-te mesmo à minha frente. Na mesa dos jantares. Ficamos ali, admirando a janela perplexas. Nesse dia pintas-te até bem de madrugada "a Janela." 
Eu esqueci os gritos. Porque somos todos iguais e banais. Gostei muito do quadro da Janela."

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