quarta-feira, 20 de abril de 2011

-O telefone não pára de tocar!
-Já disse que nao atendo.
-A tua mão já está a tremer.
-Deixa-o tocar... De interesse ou não.
-A tua mão continua a tremer...
-Hoje estou nervoso, isto acalma já.
-Faz um ano.
-Não quero saber de datas. Isso é uma mesquenhice.
-Não acredito.
-As datas jamais são repetidas. Infinito são os dias. Nunca se repetem em nenhuma parte do universo. E quem nasceu a 29 de Fevereiro!? Não festejou este ano pelo menos.
-Argumentativo até demais. Esconder algumas verdades.. Talvez...
-O tempo não volta atrás. As datas são coisas inventadas. Servem de orientação.
-Não dúvido que tenhas alguma da tua razão.
-Amarras-te a Sky?!
-Sim. Ela passou todo o dia a meditar já que chegue. Hoje vai-me levar lá baixo. Vens?!
E ouve-se o estalar da lenha seca, ambos olham na direcção da lareira. O fogo intensificou-se. Segue-se uma onda de calor reconfortante. Olham um para o outro.
-Whisky?!
-Sim por favor.
A casa range. Os passos do Pedro são rápidos e empurram o soalho com força. A sala fica no meio da casa. Por isso as pessoas são sempre facilmente detectaveis. O rui comtempla as fotos do lado esquerdo da lareira. Duas ou três deveriam de ser capa da National Geographic. No entando estão ali. Sós. Dançando com o movimento laranja das chamas. Intocáveis. As tais...
-Tens a minha samarra?
-Tenho. Mas esse copo ajuda a aquecer.
Um copo de um uísque velho combina com o ambiente dourado da sala. E a janela abre de rompante com o vento! As cortinas são suaves, brancas e o vento produz nelas movimentos estranhos. Irrepetiveis. O pedro. Com o braço debruçado sobre o sofá, leva o charuto à boca. Observa vagamente o céu, enquando caminha descontraidamente na direcção da janela. Fecha-a muito lentamente. A sua mão já não treme.
-As estrelas estão mortas pah.
-Quem?! O kurt Cobain?!
-Uma delas! Sinto mais pelo Ian curtis...
-Ian Curtis... Enforcamento é sempre outra cena. Mais corajoso!
Segue-se momentos de silêncio. Sorriram um pouco, cada um para si. E deixaram-se ficar. Deixam-se muitas vezes. Não falam. E estão bem. Nenhum dos dois questiona.
Mas estes pontos sempre brilham, parecem mesmo vivas, já morrem há anos pois.
-É como olhar estas estrelas mortas! Vejo-as mortas, e contudo gosto de olhar para elas e acreditar que estão vivas... Mesmo que lhes tentasse tocar e se desvanecessem...
-Vai buscar então o Suka porque a Sky é minha hoje!
O pedro pegou nas botas mais lamacentas e uma camisola dobro do seu tamanho, velha, de um azul sem energia, e preparou o Suka. A mão não treme. Nem os pensamentos. Segurando firmemente um cavalo cinza cheio de vida e força, o Rui já não se vê.
(...)
O rio deve ser o destino mais provavel. Costumavamos lá ir em miudos. Agora atravessamos aquilo de cavalo mais rapido que um barco. Se bem que esta noite alentejada esta estranhamente gelada. Meus cavalos. Datas. Todos os dias se celebra uma qualquer coisa. E se as coisas não fossem assim!? E se as pessoas simplesmente não anotassem datas, nem lhes dessem quaisquer importância?! Os meus cavalos são a unica coisa que celebro e me dedico por inteiro. De corpo e alma. Não me vou sentar numa cadeira a olhar uma foto e relembrar a data. Fazer um qualquer tipo incomum de cerimónia e fingir a dor do momento passado. Desculpa, mas sabes que não sou... Não sou tudo disso! Posso sim olhar os olhos dos nossos cavalos e ver-lhes a ternura e fidelidade que outrora enchiam os teus. Galopar... Fechar os olhos e desaparecer da condição fisica por uns momentos e só sentir a alma cheia de ti...!

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