sábado, 12 de março de 2011

O outro...

"Quem sabe o seu limite?! Até que ponto não roubam as coisas dos outros. Quão medíocres e surpreendentes conseguem ser. Quando a alma não rouba a obra. Nada pára. Equinócio nela é perfeito. Igualdade no balanço das que eram então suas virtudes. Quando a alma não supera a beleza. Não me venhas dizer que o corpo morre. Ele apenas não dura o suficiente para te aborreceres do tédio da condição humana. Uma partida interminável de xadrez!? Isso aborrecer-te-ia. Um orgasmo fácil. Uma tentação consumida. Uma alma nua. Uma obra roubada. Um sentimento já sentido. Uma hora mal tratada sem pensamento. Tudo continua às voltas e em frente, e a musica não é musica parada. Recusas-te a ver o tempo a passar. A morte a esquecer. Mãos nos bolsos, e imaginas a morte. Vês-te emaranhado nas próximas horas de pensamentos fúteis. De mãos nos bolsos. De barba grande e de alma roubada. Quem sabe o que sabe?! Tu não sabias, e a morte atravessou-te como uma lança que se crava e trespassa num gesto lento. Vagaroso. E ficas ali, horas. Dias a sentir. A consentir o roubo. O roubo da tua obra. Condição humana. O jogo da má sorte. Ergues a cabeça para trás e dás um esticão ao peito. Encaras o céu de olhos fechados e mãos nos bolsos. No meio da rua. Parado. A chuva escorre pelos teus traços do rosto. E consegue-se ouvir um saxofone. Calmo. A tocar musica de gato preto vadio. Aquele gato preto que caminha por entre as pessoas sem lhes tocar. Sem atravessar as ruas. Calmo. Abres os olhos e vês a chuva. Obliqua. Nuvens negras de contornos claros do Luar. Não há estrelas mas há Luar. Nem que seja escondido. Baixas a cabeça e fitas o teu caminho. A alma roubada. A morte. O tédio. A morte não leva uma só alma. Levou a dela, levou a tua, quem sabe quantas mais levou. E criou em ti uma nova alma. Não a compreendes. Não a queres e és levado com ela como numa enxurrada. Uma enxurrada cheia de coisas que não prestam. Cheia de almas que ninguém quer. Mas elas vão com a enxurrada. E tu só ouves os teus passos e a tua respiração. Quem sabe o que sente?! Tu escolhes-te não sentir essa alma mais. Se a morte a trocou por uma nova. Assim que seja. Ou assim seja, pois o que é, é o que é.
Tu não querias roubar obras. Nem sonhos. Agora ficas preso ao pensamento, burros são aqueles que confiam suas almas. Que confiam os seus medos. Burros daqueles que não são ignorantes. Agora sem nunca mais ver aquele rosto. Só dentro de ti. Como uma tentativa desesperada de não perder a alma dela. A alma não. Pensavas. Tu não querias roubar obras só porque achas que está certo. Não te querias entregar ao censo comum. E no entanto descias a estrada em direcção á enorme London Bridge. Querias ver o Thames uma vez mais. Tão iluminada que é. Que monte de monumento. Que almas morreram para dar sentido a tudo aquilo. Que almas lutaram para ficar na história da ambição. Sem medos. Só ambição de não ter medo. Nem tédios. Agora aquele monte de arquitectura e história só importam aos clic's e tudo mais que não passe de imagem. E ali estava o rio. Rio. Thames. A tua alma parou. Parou e só sentias as tuas emoções. O teu estado de ódio. Ódio por tudo que mexe sem sentido. Aquela ondulação artificial. Viras o teu rosto com brusquidão para as tuas mãos. Elas tremiam. A mão direita latejava de dor. Que dor física mais desproporcional ao momento. As mãos tremiam e a tua pulsação fazia com que sentisses cada ponto do teu corpo. Que tremor inquietante. A mão direita latejava. Inspiravas e depois expiravas. Com força. A mão direita carregada de dor. Cerraste o punho e bateste no peito. Respiravas. Tremias. Sentias. Aquele momento ficar-te-ia para sempre cravado naquela dor. Nos tremores que nunca mais te abandonaram. Uma alma destruída destruiu-te o corpo. Mesmo que haja o Luar. Mesmo que o rosto continue fino e delicado em ti. E os seus olhos se abram para ti. Em tua alma pobre. Imaginaste-a uma vez mais. Numa paisagem japonesa. A fitar-te com curiosidade. Parada. Tudo o que é efémero. Os que ficam na história são efémeros. Ela ficou na sua mente. Com os cabelos a ondularem tão graciosamente... Que ele respirava. E depois imaginou-a morta. Inchada de tanto corpo morto e matéria sem vida. A explodir de fluidos humanos. Um corpo morto. Sem alma nem obra. Obra roubada é obra desejada, é obra que não se consegue criar, é roubada. E alguém havia decidido simplesmente acabar com então toda criação deles… Ele e ela. Ela e ele que fosse. Dois mundos que se movimentavam para a destruição. Como qualquer outro mundo. Que morre sem história ou obra! "

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